Thursday 10 July 2008

leituras auto-destrutivas



Enquanto eu lançava aos ventos meus queixumes inúteis, vi entrar na galeria um velho de cabelos brancos, cujo rosto anunciava a reflexão e parecia prometer qualquer coisa de grande, embora não tivesse uma aparência muito cuidada: tudo, em seu exterior, denunciava ao primeiro olhar um desses homens de letras que, geralmente, são alvo do ódio dos ricos. Ele se deteve junto a mim.
-- Eu sou poeta -- disse-me.-- E gabo-me de ser um poeta de algum mérito, a julgar pelo número de lauréis que me têm concedido. É verdade que os dão freqüentemente também, por favor, a ignorantes. Por que então, me perguntarás tu, estás tão mal vestido? Pelo fato mesmo de ser poeta, eu te respondo: o amor às letras jamais enriqueceu pessoa alguma.

[...]

Mal havia Eumolpo acabado sua declamação, quando as pessoas que passeavam pelos pórticos fizeram cair sobre ele uma chuva de pedras. Acostumado a tais manifestações, ele cobriu a cabeça e fugiu do templo. Temendo que me tomassem também por poeta, eu o segui de longe, até a beira-mar. Ali, vendo-me fora do alcance das pedradas, eu me detive e disse a Eumolpo:
-- De onde te vem essa mania? Estamos juntos há apenas duas horas, e em vez de falar-me como todo mundo, tens dito versos. Não me admira que o povo te corra a pedradas. Vou fazer também um estoque de pedras, e toda vez que tiveres um acesso desses eu mesmo te quebrarei a cabeça.


imagem -> AN EXTEMPORARY DECLAMATION [de: Satyricon Complete File -- fico devendo o site de onde baixei. não consegui reencontrar.]

texto -> Petrônio (séc. I d.C.): SATIRICON

Friday 4 July 2008

Satiricon



O homem nada mais é que um sopro
E a trama de seus anos é curta e frágil.
O túmulo segue nossos passos, cabe a nós,
Sabiamente, usar o prazer para embelezar,
O mais que pudermos, os nossos instantes.



imagem -> Hieronymus Bosch (1450-1516): O JARDIM DAS DELÍCIAS TERRENAS (1504),

texto - > Petrônio (Séc. I d.C.): SATIRICON