Saturday 1 December 2007

O Lobo do Homem

Dias Gigantescos (1928), René Magritte




Meus ouvidos domesticaram-se atentos

Aos sussurros de dentro, da matilha,

À lição do salto certeiro no escuro,

Na noite forjada em trilha e céu

-- E eu inteiro, morro inchado de tanto chão --,

A vaiá-la com toda força do meu urro.


Foi necessário, a miúde,

Ostentar presas de ameaça,

Arrancar da caça entranhas,

Guardar atrás dos olhos

As baças sanhas da solidão,

As frias incertezas, as desgraças...

E guardar também, atrás do olho,

A inquietude estranha

Da vermelhidão do choro.



Sobreviver a tudo e proteger os meus

Esta é a lei que nasceu comigo;

O jorro gotejante dos instintos,

A pele envelhecida em tortas linhas.


Ao meu corpo uma ancestral fome

Todos os crimes ofereceu:

Acostumou-me ao sangue,

À repetição de um mudo cio,

Ao vazio De uma rima sem nome.


Um dia encontrarei meu caçador.

Ele não arrancará meu interior cansado,

Não se aquecerá com a pele envelhecida,

Não desfilará com minha cabeça à mostra.


E quando, enfim, eu for caçado,

Restará um corpo abandonado ao lodo,

E, após o tiro, ele dará as costas

Aliviado pelo uivo final de seu lobo



Johnny Martins