Thursday 19 June 2008

A VIDA É LÍQUIDA




"Vem, senhora, estou só, me diz a Vida.
Enquanto te demoras nos textos eloqüentes
Aqueles onde meditas a carne, essa coisa
Que geme sofre e morre, ficam vazios os copos
Fica em repouso a bebida, e tu sabes que ela é mais viva
Enquanto escorre. Se te demoras, começas a pensar
Em tudo que se evola, e cantarás: como é triste
O poente. E a casa como é antiga. Já vês
Que te fazes banal na rima e na medida.

Corre. O casaco e o coturno estãos em seus lugares.
Carminadas e altas, vamos rever as ruas
E como dizia o Rosa: os olhos nas nonadas.
Como tu dizes sempre: os olhos no absurdo.

Vem. Liquidifica o mundo."

foto -> Johnny Martins (uma rua dentro da noite de Recife)

texto -> Hilda Hilst (Alcoólicas, Canto VI)

Sunday 8 June 2008

A Interpretação dos Sonhos


Querida amiga,

esta madrugada (já era dia claro, na verdade), acordei com um sonho que me tocou muito.

sonhei que estava com dois meninos, desconhecidos, olhando umas imagens (telas) pintadas em pedras que ficavam na beira de um rio ou mar. cada imagem, ao ser observada com mais atenção, revelava detalhes novos, novas cores ou elementos. os meninos eram adolescentes e não tinham ido lá comigo. ao ouvir os comentários deles, fascinados, "lembrei-me" de que aquelas imagens tinham sido feitas por mim e mais alguns amigos, dos quais, tu tinhas sido uma das artistas. falei pra os meninos: "eu e uns amigos fizemos essas pinturas". estávamos contemplando as "telas" no mesmo espaço, no meio das pedras, que pareciam mesmo pedras de beira de mar. os meninos começaram uma brincadeira de agarra-agarra que me pareceu um jogo bem erótico. deixei-os lá "brincando" e continuei olhando as "telas". na última delas (a que me lembro ter visto logo antes de acordar), era a imagem de uma "janela", mas parecia a janela de uma prisão ou calabouço. ficava na parte de baixo de uma pedra e eu tive que me abaixar pra poder ver melhor. quando me abaixei, a imagem, que era um quadrado com grades, iluminou-se, como se um projetor tivesse lançado um filme sobre ela e, sobre a grade escura, passava uma luz azul, cor de água de piscina, e a imagem de um corpo branco masculino (uma silhueta ou sombra, só que totalmente branca, cor de cal) como se estivesse nadando. ao lado, havia um texto e eu ouvi uma música (como se cantada pelo Pato Fu!). dizia o seguinte (música/texto):

pai coral, espírito das pedras,
quero ver quem depois
vai ter coragem de se banhar nesse rio
e depois
desaguar nesse mar de realidade

olha pra mim!


eu tinha ido lá para ver "algo", ou talvez buscar alguma coisa que ficava mais fundo, dentro das pedras. eu tinha que penetrar mais fundo em algum buraco para chegar em algum lugar. era escuro, mas as imagens me davam vontade de continuar caminhando, sem medo.

quando eu ainda estava na "superfície", iluminada pelo Sol, chegaram umas meninas, também adolescentes, muito lindas. uma delas tinha uma tatuagem ao redor do olho esquerdo, como se fosse lápis delineador, mas era uma tatuagem. eu tive a sensação de já ter visto aquela imagem em alguma fotografia.

acordei encantado! liguei a luz e fui imediatamente copiar o texto. tentei relembrar as outras telas do sonho e seus respectivos textos (todas tinham um texto ao lado -- um poema -- que acrescentava novas significações ao que estava pintado), mas não consegui recuperar da memória. fiquei com a sensação de que esse sonho era uma "continuação" de um sonho tido na noite anterior.

ai, que falta me faz a psicanálise!

beijo!

texto -> e-mail enviado a uma amiga hoje.

imagem -> Wilhelm Von Gloeden (1856-1931)